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sábado, novembro 01, 2008

"Morreste-me" de José Luis Peixoto

"Pai. A tarde dissolve-se sobre a terra, sobre a nossa casa. O céu desfia um sopro quieto nos rostos. Acende-se a lua. Translúcida, adormece um sono cálido nos olhares. Anoitece devagar. Dizia nunca esquecerei, e lembro-me. Anoitecia devagar e, a esta hora, nesta altura do ano, desenrolavas a mangueira com todos os preceitos e, seguindo regras certas, regavas as árvores e as flores do quintal; e tudo isso me ensinavas, tudo isso me explicavas. Anda cá ver, rapaz. E mostravas-me. Pai. Deixaste-te ficar em tudo. Sobrepostos na mágoa indiferente deste mundo que finge continuar, os teus movimentos, o eclipse dos teus gestos. E tudo isto é agora pouco para te conter. Agora, és o rio e as margens e a nascente; és o dia, e a tarde dentro do dia, e o sol dentro da tarde; és o mundo todo por seres a sua pele. Pai. Nunca envelheceste, e eu queria ver-te velho, velhinho aqui no nosso quintal, a regar as árvores, a regar as flores. Sinto tanta falta das tuas palavras. Orienta-te, rapaz. Sim. Eu oriento-me, pai. E fico. Estou. O entardecer, em vagas de luz, espraia-se na terra que te acolheu e conserva. Chora chove brilho alvura sobre mim. E oiço o eco da tua voz, da tua voz que nunca mais poderei ouvir. A tua voz calada para sempre. E, como se adormecesses, vejo-te fechar as pálpebras sobre os olhos que nunca mais abrirás. Os teus olhos fechados para sempre. E, de uma vez, deixas de respirar. Para sempre. Para nunca mais. Pai. Tudo o que te sobreviveu me agride. Pai. Nunca esquecerei."

José Luís Peixoto In Morreste-me

2 comentários:

Anónimo disse...

Penso que este pequeno texto, apesar de escrito por José Luis Peixoto, poderia ser assinado por Helena Rosado.
Compreendo-a.
Fernando Máximo!

Anónimo disse...

A morte não é nada.

Eu somente passei para o outro lado do Caminho.

Eu sou eu, vocês são vocês.
O que eu era para vocês, eu continuarei sendo.
Chama-me o nome que sempre me chamaram, falem comigo como sempre fizeram.

Vocês continuam a viver no mundo das criaturas, eu estou a viver no mundo do Criador.

Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos.
Rezem, sorriam, pensem em mim.
Rezem por mim.
Que meu nome seja pronunciado como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo.
Sem nenhum traço de sombra ou tristeza.
A vida significa tudo o que ela sempre significou, o fio não foi cortado.

Porque estaria eu fora de teus pensamentos, agora que estou, apenas fora de tua vista?
Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do Caminho...
Tu que aí ficaste, segue em frente, a vida continua, linda e bela como sempre foi.

(Santo Agostinho)